terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Bom era quando os imortais só cochilavam nas Academias

Acabo de assistir a 1ª parte da entrevista com o cientista Raymond Kurzweil. O brilhante Jorge Pontual vai arrancando dele as razões e os argumentos para crer que, num futuro não distante, uma fusão do homem com a máquina estará garantindo ao ser humano, e a ele mesmo, é óbvio, uma vida sem fim previsível ou necessário. Pelo que entendi, através de progressiva e ininterrupta reprogramação de nossos softwares, quais sejam nosso estoque de 23 mil genes. Mas, atenção, minha versão de suas reflexões, aqui, é precária, de primeira vista, e só razoavelmente confiável.

Ontem, antes do almoço, enquanto Katinha mui amorosamente ajeitava minha barbicha e minhas unhas, sintonizei, na mesma GloboNews da entrevista acima citada, uma envolvente mesa redonda coordenada pelo Pedro Bial (esse repórter de primeira, quando não está babando BBB). Discutia-se a tese de um cientista americano (inglês, talvez) com cara e jeitão de hipponga meia-idade, mas levado muito a sério pelos pares, que, atrevido que só, assegura que dentro de 30 anos o homem terá encontrado a vida eterna. Não, nada de místico ou esotérico, é mesmo a abolição da morte na vida terrena, ao menos por razões do que hoje chamamos saúde, e que, então, não sei que nome terá. Em torno à mesa, uns sete ou oito intelectuais, entre geneticistas, poeta, geriatra, quase todos deslumbrados com a perspectiva científica de abolir o fantasma do fim ainda para a presente geração. Afora uma ou outra pontada de bom senso, quase todos eles me pareciam mecanicamente fixados ao somatório de dias se oferecendo como anexáveis ao próprio futuro, fosse ele qual fosse.

É, a imortalidade está definitivamente em pauta, e agora, o que parece novo, podendo descartar as idéias e a dependência de transcendências diversas.

Não descarto a possibilidade de ser inveja, pois contemplo tais conversas com olhos de 61 anos, e com essa saúde meia boca que me sustenta, mas fiquei boquiaberto diante do que ouvi e vi. Baixou o desejo irresistível de pedir uma pinga, me encostar na conversa, e enfiar uma xeretagem vagabunda, uma mistura de filosofia e sociologia de botequim. Pensei, para o papinho inicial, em dois roedores vorazes, dentre tantos outros, que se infiltrariam para avacalhar essa fissura pelo sonho de escapar da morte, ela que era, ou é, a única e derradeira certeza do homem moderno. Cutuco, em breves relances, o ódio e o tédio.

Pensa-se nesse presente eterno sem se pensar que o homem é o predador do homem, e que o ódio disputa com o amor, em luta dilacerante e perene, o direito de dar sentido à vida. É, pode parecer piegas em tal contexto, mas a vida carece de sentido para ser vivida, e, se o sentido não se apresenta, o tédio suga as energias, por vezes inexoravelmente, mesmo dos corpos mais surpreendentes, inteiraços.

Como controlar meu ódio se o único horizonte que o acalma é a finitude de meu inimigo, meu desafeto? E buscar a calma é papel que o amor cumpre, ou finge cumprir. O amor fica para outro papo. Ser imortal é ter o direito de carregar, sem limite de vencimento, as benesses e os gozos de malefícios que porventura causei a outro. É muito, o outro não conseguirá tolerar, até o amor se verá impotente como desculpa ou perdão. O ódio, acho que a história humana mostra, exige a morte como resposta, real ou simbólica, e a idéia da imortalidade anula tais saídas.

Escorregando ainda mais na maionese, arrisco pensar que a imortalidade é incompatível com a civilização, ao menos como a conhecemos hoje. Tornadas imortais, as pessoas se matarão muito mais, por meios ora conhecidos, e por outros que com certeza serão inventados por um renovado, e na certa pulsante, mercado da morte. Meus 15 segundos de Nostradamus: as guerras de hoje, a Aids, os acidentes que conhecemos, são coisas que parecerão secundárias quando se apresentarem as grandes e definitivas batalhas entre os que podem e os que não podem se imortalizar, entre os que têm recursos e conhecimentos para determinar os que devem ou não devem morrer, e, por outro lado, os que, então desencantados da esperança de que a imortalidade se desse em outros planos, decidem que é aqui e agora que a igualdade deve deixar de ser bordão dos espertos e dos poderosos.

Harmonia? Impossível não é. Imortalidade, talvez um dia. Mas a sobrevivência coletiva, as melhores condições de vida, a vergonha diante da miséria alheia, o pudor ecológico frente à natureza (essa inexorável inimiga de toda imortalidade) terão que se sobrepor, nos horizontes hoje visíveis, aos projetos individuais, ou grupais, de negação da morte, e de encontro, aí, de algo que se assemelhe à felicidade eterna.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Sobrevivemos

- Calma!
- Calma porra nenhuma!
- Já te dei... o que você ganha tent...
- Cala a boca, caralho. Você fala pra cacete. Só não fui com seus cornos, e chega.
- Pô, cara, os homens estão aí... você não vai...
- Fecha essa porra dessa boca. Mete o olho aí no cano do oitão. Ri, caralho...

O estampido rasga o ar em tons polifônicos. Meu rosto se retorce para o lado num vai e vem pausado, meus olhos se fecham instintivamente em súbitas piscadas. Tento firmar a vista, os óculos estão intransponíveis. A pasta vermelha e branca me cobriu o rosto, sangue e miolos. Retiro os óculos, passo a mão na boca, uma, duas vezes. Braços firmes me amparam e me afastam. Diz-se que o gosto e cheiro das mortes violentas são impregnantes, que seus resíduos se colam à memória como a tintura de iodo se entranha numa pedra porosa. Sei que aquele quase menino viverá pra sempre comigo.

- Ei, por favor, alguém aí já sabe o nome dele?

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Luzes na boca do beco

Tom Stone

Para Tutukowski, que deu de encher minha bolinha americana

Aqui se morre um pouco de tudo. Fome. Tristeza. Frio. Doença.

A morte é gesto solitário, chega possessivo, mas aqui entre nós não é costume morrer-se só. Nem é hábito, nesses becos, morte de causa única.

Quando nos olham de lá, onde a vida corre, acreditam ver corpos rotos e mentes maceradas por saudades. Bobagem, a dor quando longa esfacela a saudade. Vida real é a seiva das saudades, e ela já não flui. Nem me lembro se há muito.

Divago entre calafrios. O sol já não me aquece, e do céu vai se apagando o azul que inda agora me acariciava os olhos marejados. O ar me enche os pulmões com uma intensidade desesperada, mas a calma é imensa, mesmo doce. Uma mão que reconheço se intromete em meus cabelos. Deve ser o derradeiro calor que sinto. E ele se mistura ao sopro que meu tímpano capta em estertor: "vai com Deus, meu amor!"

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Lembranças não são pensamentos

Pois lembrar é quase só o que me resta. Era uma noite particularmente triste e lenta, a cabeça tão moída por dores e queixas que o corpo decidiu -já tentara antes!- abandoná-la.
Levou consigo a mulher amada, isenta de pudores.
Faz tempo.
Mas, quando chegam as algaravias dos finais de ano, a lembrança dói. Embora cada vez menos.

>>>a incrível escultura é do Ron Mueck<<<

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Somos singulares

Em 10/10/2003, publiquei no site SACI um dos "posts" de um antigo blog. Como ando, atualmente, meio embotado nas escritas, e para amainar as cutucadas rumo à produção que a Katinha, meu amor, não dispensa quando me vi assim, mais para o molenga, volto a publicá-lo aqui, contando com a condescendência dos que, por algum acaso, já o leram:

Fui honrado com um comentário, via email, do Renato, o Repórter SACI. Ele, que é tetraplégico, visita os lugares públicos de São Paulo, e relata, no site da Rede SACI, as condições de acessibilidade física. Um serviço bacana e que, com os repórteres voluntários, acabará se espalhando. Pois é, de modo arguto e direto, Renato disse a respeito de aspectos de meu texto ("Somos deficientes de tempos civilizados"http://www.saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=7665): "Mas olha que não estamos distantes de sermos sacrificados pela sociedade maluca. Você viu que os vereadores de BH querem que apenas 5% dos ônibus sejam adaptados?" E continua o Renato: "Isto acaba matando os deficientes de um outro jeito, não conseguimos sair de casa, ter uma vida normal. Infelizmente, este pessoal só aprende quando acontecer com eles..."

Não aprende não, meu amigo, inclusive porque essa é uma péssima forma de se aprender. E veja, se acontecer com eles, eles não serão mais eles, serão nós. E o cachorro louco volta a correr atrás do rabo. A esperança de uma transformação democratizante e inclusiva está, em parte, em instituições e em leis que nos apresentem no palco como cidadãos, mas está também, e principalmente, num paciente trabalho educativo. Trabalho capaz de expandir e infiltrar uma consciência de apreço e respeito às diferenças, uma consciência de que somos todos diferentes, mais que isso, singulares (o que nada tem a ver com individualismos). Trabalho que, por exemplo, você e a Rede SACI vêm desenvolvendo com maestria.

Somos singulares. A deficiência física é apenas um aspecto da vida de algumas pessoas, você, eu, Tchela, João, Maria, Abigail, Severino etc, e estamos até na moda: com a isenção de impostos para a compra do carrinho 0 Km tem muita gente nova tentando provar que sempre foi do clube. Somos todos singulares, andantes, muleteiros e cadeirantes, surdos e ouvintes, cegos e videntes, feios e bonitos, etc e tal, e, portanto - e isso é material para outros bons papos! -, não cabe falar em normalidade. E gosto de brincar com a idéia de normalidade, sempre a vejo como a realidade e os valores que são próprios aos dominantes e aos poderosos, e que eles tentam provar, por meios pacíficos ou não, que são a realidade e os valores de todos.

No outro texto, eu tratava de um deficiente que não existe, uma entidade quase abstrata. Ele só existe se conseguimos imaginar o somatório, e a junção, de parcelas das vidas de todos aqueles que têm a deficiência física como um dos aspectos de suas existências. Meio complicado, né? Quando falamos, por exemplo, nos deficientes físicos brasileiros, ou nos cegos do mundo, ou nos tetraplégicos de Guarulhos, estamos, ao mesmo tempo, falando de todos os concernidos e de ninguém. Você trouxe a voz do deficiente real, com desejos, raivas, esperanças, essas coisas, e eis o que mais importa, é aí que se dá a luta ou desânimo, a inserção ou a exclusão. Um deficiente passional, contraditório, querendo ser feliz, e que põe vida no meu "deficiente teórico", digamos assim, que é uma mera concepção, mas é útil por nos ajudar na tentativa de compreender as questões que não podem ser analisadas apenas sob o olhar e os interesses de um ou outro deficiente específico.

Está ficando meio longo, né? Vamos mais um pouquinho, prometo resumir. Wright Mills foi um cientista social que viveu nos meados do século passado, e foi um cara que sempre iluminou minhas singelas tentativas de compreender o mundo e a vida social. Ele dizia que a vida real, os fatos sociais, se explicam como cruzamentos da biografia com a história. É de alto risco tentar simplificar isso numa conversa assim rápida, mas vamos lá. As pessoas que vivem numa sociedade, maior ou menor, num determinado tempo histórico partilham esse painel de fundo, sobre o qual suas biografias se exercem, e só assim suas vidas poderão ser compreendidas Brinquei com essa idéia quando, no outro texto, afirmei que meu primeiro sentimento, por não ter nascido numa tribo do Xingú, era de alívio. E se o tivesse, minha biografia, na certa, seria curtinha, por imposição de um painel histórico, e cultural, em vigor.

Falemos da Tchela, nossa querida amiga comum. Ela prepara um livro onde descreverá um claro exemplo: a história de uma mulher deficiente física que seguia vivendo sua vida (biografia) quando, em determinado momento, dá de cara com o computador e a Internet (possibilidades históricas). O encontro redireciona sua própria vida, e vai nascendo daí uma escritora. Tivesse ela, ao se casar, mudado para um pequeno vilarejo, talvez o mundo visse surgir, dessa conjunção, uma boa doceira, uma requintada bordadeira, e eu não teria tido o imenso prazer de conhecê-la, mesmo que só virtualmente.

Ainda a Tchela, e que ela me perdoe pelo uso e pelo abuso do exemplo. No Maré, seu concorrido blog(http://tchela.blogspot.com/), ela nos encanta com pedacinhos bem contados de sua vida. Em algum momento das últimas décadas do século passado, ela (biografia) se encontra com o seu Benê (biografia), um homem que, por algum motivo biográfico, desenvolveu a liberdade pessoal e a segurança que não lhe impediram de se apaixonar por uma mulher numa cadeira de rodas. E tal fato foi possível por eclodir num tempo histórico em que um tal relacionamento é tolerado, talvez até aprovado. Tivesse tal amor desabrochado em famílias japonesas lá, mas também aqui, e o sofrimento estaria encomendado. Não sei se ainda hoje, mas até pouco tempo, numa família japonesa mais tradicional, a filha deficiente não poderia se casar e reproduzir, e, com freqüência, condenaria suas irmãs ao eterno celibato. E me deu grande saudade da querida Sueli, e fazem tantos anos que não a vejo, uma filha de japoneses, uma inteligência privilegiada que pôs a nocaute uma paralisia cerebral que se meteu em seu caminho.

Renato, peço a você, e ao eventual leitor, uma última gota de paciência. Contarei mais um pequeno episódio meu, tentando reforçar a idéia de que falar de deficientes é falar de pessoas específicas, com histórias específicas, que têm a deficiência como um aspecto que marca suas vidas de forma mais ou menos determinante, conforme o caso. E que cada caso só será compreendido percebendo-se como foram se construindo as possibilidades ou impossibilidades de uma vida, num determinado tempo histórico.

Chego eu na porta de um restaurante. Estaciono meu carro meio chic, cinza, automático, ano 2000, me transfiro para a cadeira de rodas e sigo em frente com minha mulher e meu filho, ambos aparentemente saudáveis e felizes. Por atração de estranho magnetismo, meus olhos se cruzam com os de um moço que, em surrada cadeira de rodas, vende chicletes no sinal (farol ou semáforo, em outras plagas). Negro, pobre, deficiente, maltratado pela vida. Pensei, de relance: "se ele for analfabeto e gay estará fechado o círculo da exclusão mais cruel e impiedosa". Tento um sorriso. Ele balança a cabeça, sem aliviar a tensa rigidez do rosto. Sinto o seu olhar percorrendo aqueles 30 ou 40 metros que nos separam, e sinto que, em alguma proporção que não consigo precisar, ele me contempla com uma expressão de admiração e mágoa, talvez uma pontada de ódio. Ele empinou a cadeira, deu meia volta e se afastou por entre os carros. Naqueles parcos segundos, ele não acreditaria, talvez pensasse em deboche, eu o invejei. Invejei suas habilidades com a cadeira, sua coragem pessoal, sua luta, que imaginei obstinada, pela sobrevivência.

Éramos ambos deficientes físicos, mas os outros aspectos ou faces de nossas respectivas existências haviam criado aquele abismo imenso. A solidariedade entre nós, para se estabelecer, teria que vencer vários obstáculos. A deficiência nos teria identificado não fossem tão opostos nossos mundos. Um dia desses, talvez, nos encontremos numa manifestação pelo rebaixamento das calçadas, ou na campanha de algum político deficiente físico, ou com base nas entidades representativas dos deficientes. O importante, Renato, é que se continue lutando pelas causas dos deficientes, esses entes envolvidos por direitos e deveres, mas que não percamos de vista um fato: eles só serão atraídos para a luta comum se sentirem os movimentos como capazes de penetrar e reordenar as próprias e específicas biografias.

sábado, 28 de novembro de 2009

Olha o juízo, moçada!!!

Há momentos, tal agora, em que me vejo tomado por uma espécie de fúria participativa. Como se a velha Pomba-Gira baixasse, sem regras nem tempos. Passou uma polêmica dançando, puxa a velha faca, enferrujada pelo pouco uso atual, e risco o chão (hoje em dia transferido para o ciberespaço). E dá-lhe comentários, protestos, emails e o que mais se puser ao alcance desse modesto teclado.
Ontem passei o dia tentando refletir sobre o episódio gerado pela publicação da coluna do César Benjamin, na Folha. O relato daquelas memórias continha muitos buracos, dúvidas que não deveriam existir (serem publicadas de imediato, sem checagem) no relato de uma suposta situação que envolvia a honra, e até a sanidade mental, do presidente da República, e, é evidente, o futuro político imediato da Nação. Não deu pra resistir. Lá se foi um email para o Carlos Eduardo Lins e Silva, a quem respeito, atual ombusdman do jornal.

Caro Ombudsman, sou professor aposentado do Curso de Comunicação Social da UFMG, e, talvez por vício, passo boa parte do tempo acompanhando os movimentos da mídia, em especial a nossa, também via internet. Sob a perspectiva tão complexa do que tenho visto, venho tentando resistir a formulações analíticas simplificadoras, idiotas e ressentidas com frequencia, tais PIG e outras menos votadas. Sou assinante da Folha desde sempre, coisa de várias décadas, e venho tentando manter, confesso que por vezes com certo esforço, a crença de que o projeto do Grupo é produzir um jornalismo limpo e de qualidade. Digo a você, a quem muito respeito, que o episódio César Benjamin, de ontem, conseguiu quebrar tal crença, temo que de maneira irreversível. Como crer que não haja um projeto polítíco na retaguarda, em especial na autorização editorial, de texto de temática tão delicada, arrancada evidentemente do limbo de uma memória machucada e doentia, e destinado a produzir óbvios e certeiros efeitos?

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Cuidado, tem cocô na pista

Ontem, no meio da tarde, quando as discussões sobre o artigo do César Benjamin, onde se revelava uma suposta conversa fiada do Lula, estavam quentes, as baixarias de todos os lados escorrendo pelas telas dos computadores, fui ler um post ("Dias Sórdidos") no blog do Reinaldo Azevedo, da Veja. Os rumos e o nível dos comentários, realmente, me encheram de preocupações. O próprio Reinaldo, que não é nenhum pacificador, pedia calma e moderação.
Eu, que ando meio fracote, mas detesto ficar fora das melhores brigas, dei de enxerido, mandei comentário:

"Reinaldo, não sou seu admirador, mas reconheço seu prestígio e sua grande responsabilidade como jornalista. Apelo para que você se esforce, como parece desejar, no sentido de manter tal assunto, já de si gravíssimo, ao nível dos fatos, sempre que possível for. É mais que hora de domar a fúria dos violentos preconceitos, tão comuns entre nós, e que tanto nos envergonha, ou deveria envergonhar. Só aos picaretas e aos larápios dos recursos públicos pode interessar um Brasil salpicado de excrementos nos meses que antecedem a uma eleição tão importante. Deve ser alguma simbiose de odores.
Lula, que ainda admiro, é um irresponsável boquirroto. Por vezes ainda fala com a opinião pública como se estivesse na velha birosca de São Bernardo, onde todas as fantasias, em especial as machistas, são servidas como tira-gosto. Não falo do Lula que parece vir por aí, montado em outra panacéia do Barretão, homem de muito faro. Não acredito, mas tem que investigar. Não se pode é esquecer que o benefício da dúvida é do presidente, que, até segunda ordem, deve merecer nosso respeito. Além do mais, o Cesinha, inteligente, bom de verve, é bem conhecido pela mágoa política que carrega. Reinaldo, boa cobertura, tente ajudar nossa terra a ser menos parva e estúpida."

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Melhoras no estado geral

Desde abril, quando saí meio ressuscitado do hospital, depois de grave crise respiratória (historietas narradas no inicinho desse blog), que eu não sentia a saúde tão turbulenta. Aliás, foram meses, dentro de possível, de boa saúde e franca recuperação (yesss... sempre tive vontade de encontrar uma sentença onde coubesse 'franca recuperação', frase querida de comentaristas esportivos, mas que permaneço sem saber o que possa significar). Voltemos ao que talvez a alguém interesse saber.

De uns dias, seis ou cinco, até essa data. Uma combinatória de infecção urinária, distensão abdominal e uns piquezinhos de ansiedade, me cercaram com o envolvimento de um Wando, talvez menos romântico, e me pegaram no colo, me jogaram na cama e me encheram de tremores (no caso de febre, mas tais são detalhes de somenos importância. Aliás, a fraseologia que ora me ocorre (ops!), deixa a suspeita que Wando inda me cerca, talvez esteja em mim: "até essa data", "somenos importância".

As seis décadas e um tantinho que tenho de vida conseguiram, ao menos, me ensinar, que o engraçadinho demais está a meio passo (ou meia girada de roda, no meu caso) do chato. E podem me chamar de feio, de fedorento, de descontrolado, que quase não ligo, mas se me chamam de chato, pior, se me acham chato, mesmo sem anunciar, sinto-me condenado a dirigir-me à minha estante de auto-ajuda, e por ali permanecer, um belo par de horas mergulhado em dicas e conselhos estimulantes. Funcionar nunca funcionou, mas não perco essa tal fé na vida.

Eu queria era contar do prazer de ter acordado melhor, animado a passar para a minha incrível Jazzy, cadeira motorizada que me leva pra passear, e até para ver novela na TV chic da sala, dentre outros tantos afazeres. Mas, especial mesmo, foi uma alegria que senti quando fui regar o jardim interno que a gente tanto curte. Minha árvore predileta é uma pitangueira plantada quase na porta do meu escritório (espaço amplo e bem instalado, nos fundos da casa). Uma predileção que só se vê abalada nos dias em que os galhos de nossa jabuticabeira deixam brotar aquele mundaréu de bolinhas doces.

Voltando à pitangueira, quando hoje bati o olho na danada, vi que ela havia preparado, no lado onde consigo colher com mais facilidade, bem uma dúzia das pitangas mais gostosas que ela já produziu. Arrogante que só, logo fiquei achando que aquilo era um carinho de bom retorno. Ri sozinho, comi a oferenda com boca de rei, emocionado. Senti até melhoras acentuadas em meu estado geral (ops! não deu pra resistir).

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Muros da memória

Há 20 anos, o povo alemão derrubava o muro de Berlim. O mundo parece estar fazendo disso um dia de festa e reflexão. Vejo na TV uma Berlim chuvosa e muito iluminada, nas ruas lotadas uma euforia contida. A Guerra Fria acabou (ou deu um descanso, diriam os mais pessimistas), e para as novas gerações ficou, por vezes acho, o sentimento de que se trata de histórias de velhos, nostalgia a serviço de vidas onde o passado sobrepuja as intenções do futuro. Alguma razão elas devem ter. Mesmo sob tal risco, carrego a memória à Berlim que conheci, naqueles idos de 1975.

Morando em Louvain, na Bélgica, onde me pós-graduava em Comunicação Social, e tentava me aliviar um pouco das agonias que a ditadura militar impusera à minha geração estudantil (estávamos em plena era Médici), decidi conhecer de perto o tal muro que dividia dois mundos, e que dividia, também, opiniões, naquele tempo onde ideologia e política ocupavam lugar de honra nas mesas dos infindos papos. Revisei meu DAF vermelhinho, carro holandês miúdo, econômico, automático, e engenhosamente adaptado para deficientes físicos: eu andava, então, com muletas, só há uns 10 anos, pouco mais, me estabeleci como cadeirante. Fiz todo tipo de bico tentando juntar um extra, já que a bolsa que eu ganhara da Universidade Católica de Louvain só garantia, na continha, comida e alojamento. Um xará e amigo paulistano gostou da idéia, arranjou mais um amigo, e embarcamos os três rumo ao desconhecido.

Para se chegar a Berlim, por rodovia, talvez alguém não saiba, era necessário atravessar um bom pedaço da Alemanha comunista. As informações sobre as dificuldades burocráticas e policiais, para se enfrentar tal trajeto, produziam calafrios.

Mal imaginávamos que as dificuldades começariam bem antes. Como havíamos optado por transitar, sempre que possível, através de caminhos que fugissem aos roteiros mais turísticos, chegamos à Alemanha ocidental passando pela fronteira com a Holanda. Erro quase fatal, em especial num país, já de si paranóico, ainda traumatizado pelos atentados contra os atletas israelenses nas Olimpíadas de Munique, em 1972. O policial parecia não crer no que via, naquele pequeno posto de fronteira: três brasileiros jovens, cabeludos e barbados, num carro belga, naquele canto meio isolado do mundo, incapazes de pronunciar uma frase que fosse em alemão... saiam do carro, mãos pra cima (o que minhas muletas faziam impossível, e foram compreendidas...), dirijam-se àquela cabine. A mímica, com uma arma na mão, era amplamente compreendida.

Daquele aquário onde fomos colocados, todos os nossos objetos pessoais espalhados numa mesa, vimos o meu carrinho ser revistado nos mínimos detalhes. E, ostensivamente, deixavam bagagens e utensílios espalhados no gramado ao lado. Esperamos bem umas quatro horas, sem direito nem a água, até que aparecesse um oficial do exército que falava um francês bem truncado, mas que, na situação, soava como música. Caprichado interrogatório, a simploriedade das respostas parecia absurda. Porque tão pouco dinheiro vivo? Fazer o que em Berlim? A programação de cada dia da visita, o que nos levava a altos exercícios de imaginação criativa. E, o mais complicado, porque aquele porta-malas com barraca, fogareiro a álcool, e tantos pacotes de sopa e macarrão, instrumentos de cozinha, e tão poucas peças de roupas para troca?

A liberação ainda demoraria bom tempo, e só veio depois de manifestarmos desejo de falar com o Consulado etc, e nos foi dado prazo de dez ou quinze dias, não me lembro, para fazer toda a viagem, e abandonar a Alemanha. Avisaram, também, que estaríamos sendo observados. E, como se parecesse pouco, veio a humilhação final de arranjar de novo aquela tralha no carro sob os olhares, e as imprecações, dos motoristas alemães interioranos que circulavam por ali.

O bom de um tal aperto é que depois tudo parece mais fácil e bonito. Atravessamos as auto-estradas da bela Alemanha ocidental (trechos que eu conhecera em viagens anteriores), até nos depararmos com a fronteira interna que nos introduziria ao misterioso e mítico mundo comunista. Fomos, de modo seco mas cordial, abordados por um casal de policiais que pareciam saídos de um daqueles filmes de espionagem passados na antiga União Soviética. Longos casacos escuros e aqueles bonés peludos, cujos protetores de orelhas ficam amarrados dobre a cabeça. O bom-humor e as piadinhas já haviam retomado seus postos entre nós. Em menos de meia hora já rodávamos na auto-estrada que levava a Berlim.

De mais estranho só a carência de traços daquele velho capitalismo que forjara nossas percepções, expectativas, e nossos gostos. Estradas e postos de serviços sóbrios, sem maiores apelo ao consumismo e a seus encantos. De constante só os carros da onipresente Polizei: era a gente parar, ou sair da rota para matar alguma curiosidade, e eles davam as caras, sem nenhuma preocupação em dissimular a companhia.

Chegamos a Berlim quando a iluminação feérica da cidade já impunha um contraste chocante com o mundo do qual emergíamos. Ao volante de meu carro modesto, mergulhei excitado e tenso por entre avenidas e placas que só agravavam minha desorientação. Era a mais agitada dentre as cidades da Europa que eu já pudera conhecer, impondo ares abusadamente cosmopolitas aos viajantes que chegavam de todo o mundo, a quase totalidade por via aérea, uns tantos por ferrovias, e, como demonstravam as estradas vazias de carros de passeio não orientais, bem poucos através das super controladas rodovias.

Não demorou para que o espetáculo de tantas luzes mostrasse seus sentidos perenes e agressivos. Era a face mais ardilosa da guerra cotidiana entre dois mundos ali representados, naquela Berlim que não abrira mão de ser vista como um dos centros do mundo. Nos dirigimos ao muro com ansiedade quase infantil, e partilhamos o sentimento de opressão expressado pelo paredão com ares de obra semi-acabada, irregular, escuro, com aspecto de ruína em alguns trechos. Acho que nem conseguimos dormir. Pela manhã iríamos à procura da minha amiga, em verdade uma mera conhecida, para os padrões afetivos europeus.

Ela vivera um tempo no Brasil, falava um bom português, e eu a conhecera na Bélgica, numa daquelas histórias de amiga da amiga que, por agrado e empatia, se cola no nosso querer poucos momentos após. Foi com ela, e com seus casos, que percorremos as curiosas e trágicas histórias daquela violência bem mais que simbólica, e que estava, então, bem na metade de sua imprevisível existência. Explico-me: o muro fora construído há 14 anos, e -quem ousaria prever?- outros 14 anos se passariam até sua queda. Lá, contemplando-o a poucos palmos do nariz, ele parecia eterno e irremovível. A frágil paz mundial da época, obra da Guerra Fria, latejava entre aqueles montes de concreto, salpicados de sangue e graves lembranças. Mesmo para quem, como eu, vinha de um Brasil submetido à violência das armas ditatoriais, incomodado por amigos e sonhos mortos, o muro só espelhava insensatez e barbárie.

Como alguém que se queria, e se quer ainda, de esquerda, tentei racionalizar e compreender o sentido político daquela monstruosidade. Tarefa impossível. Dali tirei lições que nunca mais me abandonaram, e, quando em 1989 acompanhei pela TV a queda do muro, não tive dificuldade em me sentir lá, de marreta na mão, ajudando a açoitar a estupidez humana.

Durante uns quatro ou cinco dias, intensos, atravessamos com a amiga boa parte da desafiadora e misteriosa Berlim. Clareava o dia, e lá íamos em busca de lugares e histórias daquela cidade quase habituada, se isso é possível, às graves crises e tensões. Dedicávamos especial atenção aos episódios provocados pelo muro na vida de praticamente todos os moradores. Nunca esqueci daquelas caras que, nos mirantes erguidos junto a alguns trechos do paredão, olhavam rumo ao nada, silenciosas, os olho vazios de esperança. Muitos abanavam insólitos lenços brancos, talvez na esperança de serem vistos e entendidos.

Minha amiga, sendo boa alemã, falava pouco de si, discretamente. De uma história sua me lembro bem: ela havia assistido aula pela manhã, naquele distante 1961, e combinara com sua melhor amiguinha um encontro à tardinha, para brincar e conversar. Na hora do almoço, soldados russos e alemães fecharam a avenida que ficava entre as casas das duas, Primeiro, a rede de arame farpado. Logo depois, a construção do muro. Elas nunca mais tinham conseguido se ver, ou se falar, e minha amiga, mesmo tanto tempo passado, narrava isso com incontida amargura. Hoje, quando nada mais sei sobre elas, torço para que os contatos tenham sido reatados, e que ainda consigam, sobre os cacos do muro, rir de tamanha insensatez, inclusive porque melhor bâlsamo não pode haver.

Quando escurecia, era chegada a hora do que havia de melhor na música mundial, sempre ao vivo, muitas vezes de graça, e de se imaginar os prazeres da festança gastronômica presente em cada esquina. E só imaginar, já que os dinheirinhos somados só davam conta, proibidos os imprevistos, das despesas com a volta para a casa.

Retomei a vida. Conclui os estudos. Voltei para o Brasil um ano e meio depois. Reassumi os deveres e os prazeres da vida de professor, contei muitas dessas histórias para meus alunos. Agora, aposentado, vendo as comemorações dos 20 anos da queda do muro de Berlim, fiquei aqui ruminando algumas de tais lembranças. Respinguei o assunto nos poucos toques do Twitter. A parceira de rede, Gizelle Zamboni, se interessou, até sugeriu uma crônica. Aceitei o desafio, cutuquei esses subterrâneos, espalhei, na tela, trechos dessas memórias desordenadas... e, por ter balançado minha inércia, dedico a ela essas linhas (que, se a máquina permitisse, seriam mal traçadas).

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Não é só na Venezuela

Novo o assunto não é, mas raramente rompe os sussurros meio amedrontados. O controle da midia mineira na gestão Aécio Neves. A docilidade opinativa, digamos assim, imposta por sutis recursos contemporâneos (ou quase), como o manejo publicitário e a "rotatividade" dos jornalistas.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Essa grande mulher

Hoje, uma mulher extraordinária está completando 90 anos. E chega lá lúcida, arguta, valente, atenta e curiosa, predicados que sempre exerceu com o suporte de uma inteligência viva e generosa. No seu longo caminho ficaram os rastros de uma vida produtiva e útil, vida que, além da família, foi dedicada a trazer alento, esperança e apoio a uma imensa legião de pessoas pobres, e quase sempre desamparadas.

Casada com Dr. Jacy há quase 70 anos, ela criou seis filhos, dos quais dois já morreram, se desdobrou em dez netos, e agora, há um ano, numa bisnetinha, a Giullia. A morte de um de seus filhos, no início da década de 1970, produziu uma guinada em seus rumos. Para superar o infortúnio, fez de uma obra social o eixo central de sua vida. Investiu suas melhores energias, e parte substantiva de seu tempo, na implantação de um projeto que virou referência em voluntariado e em assistência gratuita à saúde fora da estrutura do Estado: o Ambulatório da Igreja do Carmo, aqui em Belo Horizonte, MG.

Sempre brinco, dizendo que ela desenvolveu um modelo raro de gestão, bem à mineira. Ela soube, como poucos, atrair e aglutinar voluntários, mas, o mais curioso, é a habilidade que desenvolveu para dispensá-los, o que é tarefa árdua. Acho que uma das chaves de seu sucesso foi esse modo, jeitoso, de dispensar os que não se dispunham a trabalhar em padrões mínimos de dedicação e qualidade, fossem eles profissionais de saúde ou atendentes. Tudo sem mágoa ou constrangimentos. Há alguns anos, a amputação de uma das pernas impôs a ela uma mudança de ritmo, mas, mesmo assim, durante um bom tempo ainda geriu aquela sua grande e maior paixão à distância. Agora, o salão de eventos da paróquia leva seu nome, e os companheiros e companheiras de trabalho -alguns a acompanharam por décadas!- sempre a estão reverenciando. Ela, e seu grande parceiro nessa longa viagem, o frei Cláudio Van Ballen, em verdade, se tornaram ícones de um modo de dedicação e atenção aos necessitados, com um mínimo possível de burocracia e badalação demagógica.

Morando, com seu velho marido e companheiro, no Centro de Convivência Prolongar, ela está feliz, fazendo da vida a mesma continuada aventura. Sempre que a visito, lá está ela, mergulhada em seus jornais, revistas e livros, fazendo recortes e anotações, ilustrando o mural da casa, se preparando para a troca de idéias com quem se dispuser a um bom papo, disposição não abalada nem pela audição que andou ficando preguiçosa. Os olhos sempre brilhantes, tem em Lula e Obama seus ídolos atuais, adora notícias sobre os progressos da medicina (sempre pensando nos quantos serão aliviados em seus sofrimentos), costuma escolher uma novela para seguir, e só, já que acha que ficar o dia todo diante da TV é jogar vida fora. De uns dias prá cá, ela anda se metendo com a internet, morrendo de curiosidade.

Essa mulher é uma grande e inesquecível figura. Ela é conhecida como dona Regina, e, com muito orgulho, revelo o óbvio: ela é a minha mãe.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Não deu lá, vai aqui...

No blog Conversa Afiada, do Paulo Henrique Amorim, tentei por duas vezes postar um comentário. Aguardei a confirmação, como anunciado, mas logo o texto desaparecia. Talvez por questões técnicas, talvez por outras razões (custo a crer), já que eu discordava parcialmente dessa conversa de PIG. O ítem comentado era "O PIG que se cuide: blogueiros independentes discutem os rumos da mídia", onde se realça o excelente trabalho alternativo que vem sendo desenvolvido por alguns jornalistas blogueiros (o Nassif, o Azenha, o Leandro Fortes, o Rodrigo Vianna, o Marco Weissheimer e o próprio PHA).
Não deu lá, publico aqui, no meu canto:
Realmente, um timaço. Ponta de uma virtual revolução no universo de nossa informação. Mas, dos cinco, pelo que vejo, três são vinculados de alguma forma à Rede Record. Está, ou estará, a Record imune às tentações "golpistas" (aliás, acho essa idéia de PIG uma idéia preguiçosa, magoada e estimuladora de maniqueísmo emburrecedor, mesmo sendo as análises que a originam argutas e pertinentes)? Seria justo imaginar que a Rede Record, até como decisão editorial, passou a dar suporte e guarida a formuladores de uma comunicação de alguma forma marginal, talvez como estratégia, quiça provisória, de enfrentamento de monopólios? A liberdade de movimentos e opiniões, ao que parece inerente mesmo a tal tipo de produção jornalística, resistirá aos projetos mercadológicos (legítimos) de ascensão da Record e de grandes portais que se reorganizam? Sonho com o dia em que, no ciberespaço, o próprio consumidor de informações possa remunerar, financeira e simbolicamente, o produtor da informação que lhe pareça pertinente e justa, rejeitando de vez a sombra das mega-estruturas que controlam o "o quê" e o "como" ser dito.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Dá-lhe Geléia... chega de silêncios...

Imperdível! O meu amigo Gustavo Gazzinelli, dito Geléia, militante de boa cepa, invade o palco e ajuda a expor parte dessa fantasia modernizante chamada Aécio Neves, mantida graças ao silêncio obsequioso gerado pelo quase monopólio da midia mineira

sábado, 10 de outubro de 2009

Abrace essa causa

DIA MUNDIAL DE CUIDADOS PALIATIVOS.
Pelo direito de morrer em casa, com atenção, assistência e dignidade.
Essa é uma causa de todos.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Me jogaram na rede...

Nos idos tempos em que fui vice-diretor e depois diretor da FAFICH-UFMG (acho que de 1982 a 1990), levamos à frente a contestada construção no novo prédio no Campus da Pampulha, e cuidamos (uma turma boa e dedicada) da mega mudança. Por litígios que não cabem aqui tratar, construímos, na pressão política, quase clandestinamente, um misterioso cômodo de 400 m², antecedido por área aberta de mesma dimensão. A área ficaria destinada à construção de estúdios de TV, e de salas de suporte, coisas à época não percebidas com a importância que mereciam. Hoje, a área ainda é só parcialmente utilizada, mas, fui informado, agora existem planos para a plena utilização. Tomara, penso eu aqui de meu posto de aposentado. À tal construção inacabada foi dado o nome de "Buraco do Paulinho", em homenagem, creio que carinhosa, a esse que vos fala. Fui visitado, há poucos dias, pelo Igor e pela Marina, alunos do Curso de Comunicação Social, e eles buscavam, em entrevista, desvendar parte da história que envolve o lendário Buraco. Pra minha emocionada surpresa, colocaram trechos da entrevista no Youtube. Eu apareço no meu bagunçado escritório, nos fundos de nossa casa, e o tom meio caótico da fala se deve, em parte, porque sou mesmo meio caótico, e, noutra parte, porque o tema e o carinho dos entrevistadores abriram arquivos que estavam guardados em HDs já enferrujados da mente, provocando tempestades entre neurônios que se acreditavam em não merecido repouso.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Humores do vento

A tardinha de ontem seguia quente e mansa, de repente o tempo escurece, o vento sopra nervoso, como se avisando de seus poderes e seus humores...

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Enquanto isso, no dia do idoso...



Vai se calando a voz de Mercedes Sosa, a cantora guerreira que embalou sonhos e esperanças de minha geração. Ela está mal, aos 74 anos, num hospital argentino.
E por falar em sonhos e esperanças de minha geração, hoje, um pouquinho mais nova que eu, a Revolução Comunista na China se torna sexagenária. E marombada, bombando capitalismo pra todo lado.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Deficiências na memória

Hoje, um dia comum, carrega, como outros dias comuns, comemorações daquelas que a midia repercute menos, ou mais, dependendo da conjuntura e dos humores diversos. Além do Dia da Árvore, hoje foi também uma data de apoios, meios difusos, às lutas dos deficientes físicos.
Noutros tempos, talvez, eu estivesse mais envolvido com as comemorações e com as reflexões concernentes. Fiquei vendo as referências dispersas na midia, e até a citação que o Manoel Carlos introduziu em sua nova novela global. Nostálgico, quem sabe, pus-me a escavar os fundos de meus HDs, buscando algo que não me deixasse assim em silêncio.
Pesquei um texto memorialístico que postei num antigo blog, e que o fantástico site SACI publicou em dezembro de 2003. Vamos a ele:

Memórias. Corria o ano de 1981. O general Figueiredo governava o Brasil, distribuindo coices e promessas de abertura política. A economia transitava entre o milagre e a nova crise que se desenhava. Casado havia três anos, e com a carreira de professor bem encaminhada, eu não gastava esforços com pessimismo ou queixas. Minhas energias pareciam bem distribuídas, os focos estabelecidos. Mas, quem controla a própria vida? O amanhã só tem graça por estar sempre prenhe de surpresas. "Previsível de verdade só a morte", insinua a sabedoria popular.

Já desisti de tentar saber a origem primeira do convite que, naquele ano distante, iria bulir com minha existência e meus interesses. Fui convidado para dar uma palestra no grande evento que marcaria aquele como o ano internacional das pessoas com deficiência, promovido pela ONU e outras entidades. O evento seria realizado no monumental, mas hoje finado, Hotel Nacional, no Rio de Janeiro. Aceitei por instinto, a tremedeira deixei para depois. Porque eu? De deficiente eu só tinha a longa, e bem sucedida prática (modéstia à parte). Nunca sistematizara, ou fizera teoria, sobre o que este aspecto secundário de minha vida impusera à minha consciência e à minha sensibilidade. O tema que me encomendaram era algo como "barreiras arquitetônicas" e urbanísticas com que se deparam os deficientes. A ansiedade quase que só me deixou rabiscar umas idéias gerais.

O tempo correu lépido e distraído. Logo eu estava lá, instalado num luxuoso apartamento com vista para a praia de São Conrado. O Centro de Convenções, no próprio hotel, parecia um aeroporto internacional ou a portaria da ONU: gente de todo tipo, línguas e roupas para qualquer gosto. De cara, fui atacado pela pulga atrás da orelha: tinha deficiente de menos naquela festança. Não estaríamos os deficientes aptos, ou preparados, para expor nossos planos e experiências? Mas logo eu descobriria que realmente não estávamos. Desde a abertura dos trabalhos, ficou claro que o clima de tutela seria preponderante, e não por malvadeza ou picaretagem dos organizadores, mas porque simplesmente não havia, naquele tempo, outro caminho. Um pensamento "dos" deficientes só foi construído daí para frente, e duramente.

Vi duplicada minha responsabilidade. Eu estava condenado a fazer bonito na minha apresentação, talvez pelo fato de que eram raros os deficientes palestrantes (e, no caso, eu ainda me supunha um palestrante deficiente). Eu sentia muitos olhos me examinando, por vezes curiosos. Então chegou minha hora, no segundo ou terceiro dia do Encontro. Calculei minha cara mais inteligente, enverguei a camisa nova, segurei junto à muleta a pasta com minhas anotações, e lá fui.

No grande auditório não havia cadeira vaga. No palco, havia uma longa mesa ornada, ainda vazia, mas com os microfones já a postos. Encostei-me perto da porta, nervos controlados, aguardando socorro da intuição. O coordenador abriu a sessão, fez algumas considerações, e, logo, passou a convocar os palestrantes que, se não me engano, seriam quatro naquela tarde. Chamou o primeiro, logo depois o segundo. Eu seria o próximo, mas um calor se antecipou em meu peito. A intuição se intrometeu, me dando a grande pista. Bingo!!! Ouvi meu nome e desloquei-me em direção ao palco. Olhei, de um lado, a escada. Caminhei até o outro extremo. Escada também. Lá de baixo, ao nível das cadeiras, dirigi-me ao coordenador e disse algo assim: "em reverência política ao ano consagrado aos deficientes, e em protesto contra a falta de adaptação de um ambiente com tal destinação, vou me recusar a ser carregado. Estou reivindicando a descida da mesa para este nível, como ato simbólico de apoio à causa e às necessidades dos deficientes físicos". Evidentemente, essa foi uma fala emocionada, e sem a clareza bem articulada que aqui se apresenta com a escora da escrita e a auto-complacência da memória.

Um desajeito no ar, algum constrangimento, e logo aplausos e palavras de apoio. Muitos se apresentaram para ajudar na mudança da mesa e dos equipamentos. Criara-se um clima interessante, bom para se plantar coisas novas. Senti que tinha acertado num alvo que eu ainda não conseguia distinguir. Esse gesto também ativou em mim o impulso de militância. Eu que tinha tido até então, aqui e acolá, uma persistente mas discreta militância política, pressentia que nova frente de luta se abria naquela hora. Deficientes, seus direitos, sua cidadania, tais coisas dariam estofo para boa e digna luta? Ali tive certeza que sim, e sem planejar, me dispus a ela, dentro de minhas parcas possibilidades.

Duvido que alguém tenha saído daquele auditório mais tocado do que eu mesmo. Usei o ocorrido como gancho, e palestrei com o coração, com uma história que eu não suspeitava contida ali dentro. Contatos, trocas de endereços, os primeiros convites para encontros e outras palestras. Topei a briga, fiz do verbo a arma, circulei e falei muito nos 15 anos que se seguiram. Durante um bom tempo o episódio da mesa que desceu vinha à tona quando me apresentavam num evento ou numa reunião. Mais recentemente, quando a saúde andava trôpega, sobreveio desânimo e ceticismo. Falar mais o quê? Para quem? Meu tempo passou, soava clara a sentença. Mas o tal veneno é perene em seu contágio. Foi a conta de abrir um pouco a guarda, com a descoberta do blog, e ele se infiltrou sem disfarces. E me deixa aqui, assim, meio menino, brigando pela atenção de cada caro leitor.


quarta-feira, 16 de setembro de 2009

De coronel e demagogo, todo mundo tem um pouco

O ilustre jornalista Luis Nassif postou ontem, em seu super concorrido blog, um texto a que deu o título de "O 'Coronel' é mais sofisticado que a mídia. Clique aqui se desejar lê-lo.
O Coronel no caso é o senador José Sarney, e a criticada é a midia nacional, em especial os jornalões, que teriam ouvido com má vontade o discurso do senador no plenário, retirando dele detalhes que o caracterizariam como inimigo da imprensa. Hoje, Nassif agregou ao blog a íntegra do denso e longo discurso de Sarney.

Postei o comentário que reproduzo aqui: "Caro Nassif, acho que em nome de uma obsessão com uma tal de mídia golpista (e sem dúvida ela é conservadora e concentrada), você, com o brilho de sempre, acaba conduzindo a discussão rumo a idealizações improdutivas. Só posso analisar a mídia a partir daquela existente, condicionada em termos históricos e ideológicos. E, com a devida vênia (diriam os magistrados), não posso me permitir a leitura das reflexões de Sarney sem considerar algo essencial: a família Sarney é uma grande proprietária de veículos de comunicação, quase monopolista no infeliz Maranhão. Eles estão entre os apaniguados da ditadura, ali onde se consolidou a grave concentração da mídia em poucos, em geral familiares. Sendo sociólogo e professor, talvez por vício profissional tenho dificuldade em absorver a súbita golfada iluminista do presidente do Senado. De todo modo, a discussão é relevante, e você tem o perene mérito de não deixar essas bolas cairem. Receba minha admiração."

Poucos minutos depois, demonstrando, inclusive, a atenção que dedica a seus leitores, Nassif retrucou: "Imagine se fosse exigir currículo de cada análise feita. Até o Ali Kamel pode produzir belas análises. O grande desafio intelectual é avaliar a análise em si."
Algumas horas mais tarde, tendo eu lido, e relido, o discurso, e a resposta que recebi, não me contive e voltei à arena do debate. Disse eu: "Não, caro Nassif, não se trata de currículo. Se encontrasse hoje um texto de Hitler sobre a bondade humana e suas virtudes, eu não poderia lê-lo me atendo à simples análise. Os homens públicos têm história, e respondem por ela. Sarney não tem legitimidade, nem história, para produzir análises isentas sobre o caráter anti-democrático da mídia etc. Pode ser uma ótima análise, mas não posso considerá-la sem levar em conta a vinculação intelectual e moral do eventual autor. Sarney é conservador, proprietário de mídia, tem uma postura política feudal em seus “dois” estados, e, certamente, não é esquizofrênico para conseguir produzir um discurso deslocado de suas posturas e posições pessoais e sociais. Está meio complicado, né, mas o tema é árido. E, por favor, não veja nisso sombras daquilo que um dia meus contemporâneos chamaram de patrulha ideológica. Um abraço."

E nada mais se disse, por enquanto.

Charme materno

Nessa matéria, da TV Globo MG, a dona Regina, segunda entrevistada, cadeirante que nem eu, é minha mãe, minha ídola, minha musa... e, dá-lhe Édipo!

Quando o tempo parece não passar

A emissora é governamental, mas, pelo jeitão dos apresentadores, parece que erraram de convidado. Não é de agora, mas permanece impagável...







quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O povo adora ele

Katinha, minha mulher, garimpou um texto que escrevi em 14 de abril de 2006, e postei num antigo blog, hoje hibernado, mas que já teve seus dias de ânimo. Ela sugeriu, e agora executo, sua republicação, talvez por seu tom algo profético. O texto é de 2006.

Outro dia, faz pouco, na portaria da clínica, enquanto as pupilas não se adequavam aos tamanhos exigidos pela doutora, estiquei a conversa com o porteiro solícito e de conversa boa. A vista já não conseguia decifrar o jornal repleto de previsões sobre a iminente queda do Palocci. E de fato, horas depois ele tombaria, puxado pelo tamanho e peso do nariz pinocchiano. Disse o porteiro, fala mansa, fino analista:

- “Estão querendo derrubar o Lula. Não adianta, o povo adora ele. Nem se derrubarem o Palocci, o Lula cai.”

Atiçado pela firmeza do comentarista político de balcão, tentei saber mais, enquanto a doutora não me chamava. Perguntei:

- “E o PT, como fica?”

Retrucou ele, sem pestanejar:

-“Nem me fala, moço, é igualzinho os outros. Está cheio de ladrão, de cara que só quer o dele...”

Interferi:

- Mas o Lula é do PT?”

Ele, sem perder o rítmo, sentenciou:

- “O Lula não está nem aí pra eles, ele não precisa. É o povo que vai dar a reeleição para o Lula. O senhor gosta dele?”

Uma campainha o convocou para suas tarefas. Não tive tempo de responder, e foi melhor assim. Recostei a cabeça, fechei os olhos cansados, mas ainda e sempre surpresos. Fiquei pensando na largueza do mundo, na precariedade perene de nossas análises.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Universos paralelos

Tomo emprestado no blog da Cora Rónai esse filmete divertido, singela demonstração do incrível universo que as novas mídias andam explorando.