terça-feira, 28 de julho de 2009

Resquícios de vida inteligente

Desde não sei quando, se penso num esporte que praticaria com gosto, o ciclismo assume a pista. As magrelas passam, fico de olho, salivando diante de tal leve flutuar. E louvo a coragem e a paciência dos praticantes, hostilizados pelo mundo moldado para os veículos movidos a explosão. Se o negócio é torcer, e assistir como hábito e vício (manter, como mantenho, a paixão pelo América mineiro, só mesmo por vício, ou deformação de personalidade), aí o futebol é imbatível. Sacudir a preguiça, eu sacudiria, se possível fosse, preferencialmente em cima de uma bicicleta. Existe até um triciclo, "pedalado" a mão (sic), que alguns cadeirantes adotaram, mas eu não, por excesso de idade e carência de coragem.

Quando chega o mês de julho, já me acocoro diante da TV esperando o Tour de France. É hora de ver um bando de super-homens magricelas em ação, pedalando por milhares de quilometros, e de fazer um belo turismo visual através da França, e beiradas de países vizinhos, com direito a lições geográficas, históricas e gastronômicas. Quando vivi na Bélgica, por 3 anos, na década de 1970, descobri essa paixão. O belga Eddie Merckx, o Pelé do ciclismo, estava ainda no auge. E fazia a alegria daquele povo um tanto sisudo, povo que me recebeu com carinho, me deu uma bolsa de estudos, ampliou meu mundo. Povo e terra que ainda carrego no peito, agradecido e saudoso.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Ri melhor quem aqui não ri...

Ontem, cedinho, recebemos em casa a equipe da Rede Minas: a repórter Grazielli, o cinegrafista e um auxiliar. Depois de alguma relutância, eu aceitara dar uma pequena revisitada nas velhas lides. Uma entrevista, bem longa, sobre os sete pecados capitais nos dias de hoje (visão sociológica, opinião pessoal, etc e tal). Expliquei que a tarefa soava um pouco exótica para esse ateu da terceira idade, que se acredita, paradoxalmente, ao mesmo tempo blindado e atolado no instável rol dos grandes pecados. Acabei divertindo-me com a conversa, da qual verei o resultado, sempre imprevisível quando se trata de TV, numa série que será veiculada lá por agosto, ou setembro. Não fiquei isento daquele suor frio na arrancada, e o atribuí ao fato de estar fora de forma e fora de moda, nesse semi ostracismo de agora. Houve tempo em que recorriam aos meus argumentos e imagens com alguma frequência, em parte carinho de ex-alunos. Cheguei mesmo a temer um rótulo de especialista em assuntos gerais.

Mas, tais são outras histórias. Quero falar de coisa diversa. O cinegrafista da equipe, baixinho com tiques de esteta requintado, depois de recompor detalhes dos arranjos de nossa sala, largou o comentário generoso que, mais tarde, ficou arreliando meus pensamentos. Tratava-se do prazer, segundo ele, de ser recebido por personagem assim volumoso, no caso eu, dono de abraço amplo e sorriso largo. Insinuou diferenças com entrevistados amarrados em pose, impondo distâncias. Não rejeitei a lustradinha no ego, inclusive porque a auto-estima não anda tendo moleza em minhas introspecções. É que minha, digamos assim, consciência corporal anda sofrendo bloqueios quando a conversa é obesidade. Amofinado não fico, nem raivoso, a palavra adequada para refletir o que sinto é constrangimento.

Constrangimento estético, impossível escapar, embora seu peso (ops!) seja relativo, secundário. Pior é o constrangimento que, na falta de definição melhor, vou chamar de pessoal. É saber que em hipótese nenhuma posso ser gordo, mas continuo sendo, e nem entro agora nos infindos papos envolvendo dietas e tentativas. Cadeirante, velhote, a respiração sob cuidados, nem tento teses em minha defesa, Meu negócio, caso reste algum juízo, é emagrecer, ou emagrecer.

Como se não bastasse, um constrangimento macro vai e volta em minha cabeça, uma daquelas típicas viroses mentais que atacam sociólogos, como é o meu caso, e assemelhados. É extremamente desconfortável ser membro ativo da nova pandemia que invadiu o planeta, e que se candidata a ser um dos flagelos do século XXI. Gripe suína? Não. A obesidade e suas sequelas destrutivas, mal que deixou de ser "privilégio" das nações do super consumo, e que se espalha até entre populações mais pobres. As hipóteses se acumulam: alimentação industrializada, gorduras trans, sedentarismo, e tudo o mais que o Globo Repórter já nos contou, ou contará um dia, já que pra eles não parece haver assunto melhor. Mas, constrangedor mesmo, embora eu bem saiba que a correlação entre as coisas não é direta, foi ver a ONU anunciando que até o fim desse ano o número de subnutridos no planeta entrará na inimaginável casa do bilhão de seres humanos.

Silêncio. Baixem-se as cortinas, para reflexão. Sem aplausos, por favor...

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Querosene, por favor...

Vendo-me assim, Katinha exclamou, implacável: "deixa de ser exibido, ô Paulo de Tarso, fica na sua..."

Como de Tarso não sou, iludi-me pensando que talvez ela estivesse vendo em mim algum traço, mesmo uma sombra, daquele que se fez apóstolo, para os protestantes, ou santo, no conceito católico. Cabeça do cristianismo, possivelmente baixinho e deficiente físico, não conseguiu segurar a própria, decapitada, segundo consta, sob as ordens de Nero. Não, Katinha não pensara nisso.

Já sei, quem sabe ela se lembrou daquele outro Paulo de Tarso? Ex-guerrilheiro, ex-amigão do Zé Dirceu, ex-militante histórico do PT, ele foi expulso do partido lá pelos finais dos anos 90, depois de denúncias bombásticas sobre trambiques financeiros da cúpula partidária. Eu não estive nem próximo desse barulho todo, e se deixei de lado meu quarto de século petista, foi por minha decisão e risco. Saí de lá por desgosto, bem quietinho, com minhas próprias pernas, digo, rodas. De novo, não. Katinha, prudente, não cutucaria esse meu vespeiro.

Então, meu Lord Ganesha, de onde tal insinuação? Ganesha... novela das nove... de Tarso... capuz... ela estava é me enxergando naquele maluquete de quase todas as noites (e nem tenho aqueles belos olhos azuis, imagina se tivesse). Senti o baque. Pensei em como evitar esse vento que, dando razão ao que pressentiu a Katinha, anda apagando as lamparinas de meu juízo.

sábado, 11 de julho de 2009

Dia de rei

Viva Roberto Carlos!!!
50 anos de carreira, o que só se alcança com muito talento e competência. Gostemos, ou não (eu gosto, sem ser fã), o homem do pequeno Cachoeiro é o artista mais importante e popular do Brasil contemporâneo, talvez da história do país. Ele é um daqueles mitos que une todas as pontas desse Brasil sem tamanho. Hoje viverá, com sua incrível modéstia, a plenitude de sua consagração num Maracanã lotado que o acompanhará em coro. Imperdível!

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Cadê o mito que estava aqui???

O mundo, digo sem exagero, se debulhou em lágrimas na despedida final de Michael Jackson. Calcula-se que um bilhão de telespectadores tenham se envolvido com o espetáculo fúnebre, era o showbizz levando seus limites quase ao absurdo. Continua desconcertante a capacidade e a competência da indústria do entretenimento norte-americana para fazer da vida, e da morte, magníficos espetáculos. Até as emoções verdadeiras e os desabafos conseguiram se enquadrar no roteiro, e na busca da melhor imagem. A grande amiga Brooke Shields, em incontidas lágrimas, relatava a trágica sina das crianças celebridades, e revelava, como se num arroubo das lembranças, a melodia preferida de seu amigo Michael: Smile, composta por Charles Chaplin, e outros, para o filme Tempos Modernos. Lembrança fortuita, espontânea? Nem de longe. Antes que nos refizéssemos da revelação surpreendente, o irmão Jermaine Jackson (ou Muhammad Abdul Azis, desde que se converteu ao islamismo) ocupa o palco com bela e emocionada interpretação da canção. Tudo perfeito, tudo em seu lugar. O ritual espetacular foi encerrado com uma cena que será revista milhares de vezes nas próximas décadas: Paris, filha de Michael, balbuciando palavras de amor ao pai-mito, e mergulhando seu choro num entorno de roupas chiquemente enlutadas dos titios e titias Jackson.

Como se fosse pouco, até a hora em que escrevo, a mídia do mundo inteiro continuava tentando descobrir o destino daquela urna funerária de cobre, folheada a ouro, que carregava o mito rumo ao sempre (já que nem em Neverland ele encontrou a paz). Mistério tão bem produzido que nem os inumeráveis helicópteros das TVs conseguiram seguir o rabecão. Uma história a mais para o crescente acervo comum da cultura planetária.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Ainda que tardia

Que bom ver o presidente Lula sancionando a lei que garante anistia a um grande contigente de imigrantes em situação ilegal no país, coisa de 50 mil ou mais. Pessoas que vivem se escamoteando, exploradas por máfias que aí encontram farta mão de obra se oferecendo à super exploração. Agora, é fundamental apoiá-los para que a vida livre se faça viável. Tirando a fome e a miséria, nada vilependia mais o ser humano que a escravidão.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Terminar em pizza? Nem pensar...

Haverá quem não goste de uma boa pizza? Talvez, sentimento minoritário. Eu mesmo, gorducho carente de vergonha na cara (de há muito se apagaram as lamparinas de meu juízo), se pinta uma brecha, e a culpa deixa, encaro um pedaço da danada. Se possível daquelas mais altinhas, tipo massa pan da Pizza Hut, e percorro curioso todo o repertório de sabores. Duas ou três fatias fazem minha festa, como devagar e com prazer, definitivamente não nasci pra ser glutão. Gosto de comer pizza, mas, muito mais que isso, detesto ser devorado em fatias.

A medicina, por estranho vício gastronômico, anda optando por nos deglutir em fatias. É um mundo de especialistas e máquinas maravilhosas, exames e diagnósticos incapazes de abrir seus focos, voltados à pretensamente profunda compreensão das pequenas porções de seres que, queiram ou não muitos doutores, só sabem viver e morrer inteiros. Houve tempo em que eu falava sobre tal esquartejamento usando o açougue como analogia, mas soava muito trágico. Penso que não é exagero, ou excesso, querer ser percebido como um todo, como um sistema de partes interdependentes. Sistema, além do mais, provido de história própria, e única, e sentimentos. No corpo, em cada corpo, está inscrita uma história singular, a ser decodificada e compreendida, quase como condição essencial para o bom diagnóstico e a transformação do estado de saúde, e, quando possível, para a cura. É querendo isso que buscamos o médico, como outros buscaram sacerdotes e feiticeiros. Posso até entender, mas nunca justificar, a pressa e a desatenção médicas ocasionadas por condições precárias de trabalho, e mesmo pela crescente proletarização dos profissionais. A verdadeira questão é outra, é de princípios, e será decidida, se o for um dia, mais no campo da ética que na mesa de negociações.

Na minha recente crise de saúde, tentando explanar e refletir sobre meu estado, ainda internado na UTI, ouvi a sentença brochante: "vejam, mais um doutor de internet". A ironia vinha do doutor cobrão e dedicado, a quem, penso, devo a consolidação de minha sobrevivência. Eu tentava relacionar o que me ocorrera e a síndrome da pós-pólio, sobre a qual eu vinha lendo, e discutindo em grupos internáuticos, há anos. Enguli minha insignificância, inclusive porque ali não era prudente afrontar quem quer que fosse. Mas qual não foi minha surpresa, e muda vingança, quando, dois dias após, no mesmo local, eu, semi adormecido, ouvi surpreendente conversa ao pé de minha cama. Era o assistente do tal doutor dizendo a um grupo que, pelas caras entre aflitas e espantadas, parecia ser de médicos residentes: "estamos fazendo um levantamento, inclusive através da internet, e parece que esse paciente foi acometido por complicações inerentes à síndrome da pós-pólio. Aos que não a conhecem, a síndrome da pós-pólio é caracterizada por..." Ufa!!!, baixou um bom alívio, o sono veio pesado e reparador.

Com esse converseiro, o que eu queria mesmo é comemorar um encontro que me deixou animado e esperançoso. Quase por golpe de sorte, já que encaminhado por médico ao qual cheguei por engano, fui me consultar com o pneumologista Dr. Mauro. Foi atracar e sentir que o porto era seguro. Fiquei até desconfiado e confuso diante de sua capacidade de ouvir, observar e sentir seu cliente, e, a partir daí, construir com o cliente diagnósticos e encaminhamentos. Os compromissos sempre são mais duradouros e profícuos que as ordens ou temores. A Priscilla, gente finíssima, fisioterapeuta que está me re-ensinando a respirar, pôs a maior fé no encontro, ela que já foi treinada pelo Dr. Mauro, e o julga um bamba do assunto. Pois é, estou cheio de gás (de preferência não o carbônico) e otimismo.

*esse texto é dedicado à Dra. Marcinha, cunhada e madrinha, que não se cansa na luta por ser a melhor médica possível.