sábado, 28 de novembro de 2009

Olha o juízo, moçada!!!

Há momentos, tal agora, em que me vejo tomado por uma espécie de fúria participativa. Como se a velha Pomba-Gira baixasse, sem regras nem tempos. Passou uma polêmica dançando, puxa a velha faca, enferrujada pelo pouco uso atual, e risco o chão (hoje em dia transferido para o ciberespaço). E dá-lhe comentários, protestos, emails e o que mais se puser ao alcance desse modesto teclado.
Ontem passei o dia tentando refletir sobre o episódio gerado pela publicação da coluna do César Benjamin, na Folha. O relato daquelas memórias continha muitos buracos, dúvidas que não deveriam existir (serem publicadas de imediato, sem checagem) no relato de uma suposta situação que envolvia a honra, e até a sanidade mental, do presidente da República, e, é evidente, o futuro político imediato da Nação. Não deu pra resistir. Lá se foi um email para o Carlos Eduardo Lins e Silva, a quem respeito, atual ombusdman do jornal.

Caro Ombudsman, sou professor aposentado do Curso de Comunicação Social da UFMG, e, talvez por vício, passo boa parte do tempo acompanhando os movimentos da mídia, em especial a nossa, também via internet. Sob a perspectiva tão complexa do que tenho visto, venho tentando resistir a formulações analíticas simplificadoras, idiotas e ressentidas com frequencia, tais PIG e outras menos votadas. Sou assinante da Folha desde sempre, coisa de várias décadas, e venho tentando manter, confesso que por vezes com certo esforço, a crença de que o projeto do Grupo é produzir um jornalismo limpo e de qualidade. Digo a você, a quem muito respeito, que o episódio César Benjamin, de ontem, conseguiu quebrar tal crença, temo que de maneira irreversível. Como crer que não haja um projeto polítíco na retaguarda, em especial na autorização editorial, de texto de temática tão delicada, arrancada evidentemente do limbo de uma memória machucada e doentia, e destinado a produzir óbvios e certeiros efeitos?

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Cuidado, tem cocô na pista

Ontem, no meio da tarde, quando as discussões sobre o artigo do César Benjamin, onde se revelava uma suposta conversa fiada do Lula, estavam quentes, as baixarias de todos os lados escorrendo pelas telas dos computadores, fui ler um post ("Dias Sórdidos") no blog do Reinaldo Azevedo, da Veja. Os rumos e o nível dos comentários, realmente, me encheram de preocupações. O próprio Reinaldo, que não é nenhum pacificador, pedia calma e moderação.
Eu, que ando meio fracote, mas detesto ficar fora das melhores brigas, dei de enxerido, mandei comentário:

"Reinaldo, não sou seu admirador, mas reconheço seu prestígio e sua grande responsabilidade como jornalista. Apelo para que você se esforce, como parece desejar, no sentido de manter tal assunto, já de si gravíssimo, ao nível dos fatos, sempre que possível for. É mais que hora de domar a fúria dos violentos preconceitos, tão comuns entre nós, e que tanto nos envergonha, ou deveria envergonhar. Só aos picaretas e aos larápios dos recursos públicos pode interessar um Brasil salpicado de excrementos nos meses que antecedem a uma eleição tão importante. Deve ser alguma simbiose de odores.
Lula, que ainda admiro, é um irresponsável boquirroto. Por vezes ainda fala com a opinião pública como se estivesse na velha birosca de São Bernardo, onde todas as fantasias, em especial as machistas, são servidas como tira-gosto. Não falo do Lula que parece vir por aí, montado em outra panacéia do Barretão, homem de muito faro. Não acredito, mas tem que investigar. Não se pode é esquecer que o benefício da dúvida é do presidente, que, até segunda ordem, deve merecer nosso respeito. Além do mais, o Cesinha, inteligente, bom de verve, é bem conhecido pela mágoa política que carrega. Reinaldo, boa cobertura, tente ajudar nossa terra a ser menos parva e estúpida."

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Melhoras no estado geral

Desde abril, quando saí meio ressuscitado do hospital, depois de grave crise respiratória (historietas narradas no inicinho desse blog), que eu não sentia a saúde tão turbulenta. Aliás, foram meses, dentro de possível, de boa saúde e franca recuperação (yesss... sempre tive vontade de encontrar uma sentença onde coubesse 'franca recuperação', frase querida de comentaristas esportivos, mas que permaneço sem saber o que possa significar). Voltemos ao que talvez a alguém interesse saber.

De uns dias, seis ou cinco, até essa data. Uma combinatória de infecção urinária, distensão abdominal e uns piquezinhos de ansiedade, me cercaram com o envolvimento de um Wando, talvez menos romântico, e me pegaram no colo, me jogaram na cama e me encheram de tremores (no caso de febre, mas tais são detalhes de somenos importância. Aliás, a fraseologia que ora me ocorre (ops!), deixa a suspeita que Wando inda me cerca, talvez esteja em mim: "até essa data", "somenos importância".

As seis décadas e um tantinho que tenho de vida conseguiram, ao menos, me ensinar, que o engraçadinho demais está a meio passo (ou meia girada de roda, no meu caso) do chato. E podem me chamar de feio, de fedorento, de descontrolado, que quase não ligo, mas se me chamam de chato, pior, se me acham chato, mesmo sem anunciar, sinto-me condenado a dirigir-me à minha estante de auto-ajuda, e por ali permanecer, um belo par de horas mergulhado em dicas e conselhos estimulantes. Funcionar nunca funcionou, mas não perco essa tal fé na vida.

Eu queria era contar do prazer de ter acordado melhor, animado a passar para a minha incrível Jazzy, cadeira motorizada que me leva pra passear, e até para ver novela na TV chic da sala, dentre outros tantos afazeres. Mas, especial mesmo, foi uma alegria que senti quando fui regar o jardim interno que a gente tanto curte. Minha árvore predileta é uma pitangueira plantada quase na porta do meu escritório (espaço amplo e bem instalado, nos fundos da casa). Uma predileção que só se vê abalada nos dias em que os galhos de nossa jabuticabeira deixam brotar aquele mundaréu de bolinhas doces.

Voltando à pitangueira, quando hoje bati o olho na danada, vi que ela havia preparado, no lado onde consigo colher com mais facilidade, bem uma dúzia das pitangas mais gostosas que ela já produziu. Arrogante que só, logo fiquei achando que aquilo era um carinho de bom retorno. Ri sozinho, comi a oferenda com boca de rei, emocionado. Senti até melhoras acentuadas em meu estado geral (ops! não deu pra resistir).

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Muros da memória

Há 20 anos, o povo alemão derrubava o muro de Berlim. O mundo parece estar fazendo disso um dia de festa e reflexão. Vejo na TV uma Berlim chuvosa e muito iluminada, nas ruas lotadas uma euforia contida. A Guerra Fria acabou (ou deu um descanso, diriam os mais pessimistas), e para as novas gerações ficou, por vezes acho, o sentimento de que se trata de histórias de velhos, nostalgia a serviço de vidas onde o passado sobrepuja as intenções do futuro. Alguma razão elas devem ter. Mesmo sob tal risco, carrego a memória à Berlim que conheci, naqueles idos de 1975.

Morando em Louvain, na Bélgica, onde me pós-graduava em Comunicação Social, e tentava me aliviar um pouco das agonias que a ditadura militar impusera à minha geração estudantil (estávamos em plena era Médici), decidi conhecer de perto o tal muro que dividia dois mundos, e que dividia, também, opiniões, naquele tempo onde ideologia e política ocupavam lugar de honra nas mesas dos infindos papos. Revisei meu DAF vermelhinho, carro holandês miúdo, econômico, automático, e engenhosamente adaptado para deficientes físicos: eu andava, então, com muletas, só há uns 10 anos, pouco mais, me estabeleci como cadeirante. Fiz todo tipo de bico tentando juntar um extra, já que a bolsa que eu ganhara da Universidade Católica de Louvain só garantia, na continha, comida e alojamento. Um xará e amigo paulistano gostou da idéia, arranjou mais um amigo, e embarcamos os três rumo ao desconhecido.

Para se chegar a Berlim, por rodovia, talvez alguém não saiba, era necessário atravessar um bom pedaço da Alemanha comunista. As informações sobre as dificuldades burocráticas e policiais, para se enfrentar tal trajeto, produziam calafrios.

Mal imaginávamos que as dificuldades começariam bem antes. Como havíamos optado por transitar, sempre que possível, através de caminhos que fugissem aos roteiros mais turísticos, chegamos à Alemanha ocidental passando pela fronteira com a Holanda. Erro quase fatal, em especial num país, já de si paranóico, ainda traumatizado pelos atentados contra os atletas israelenses nas Olimpíadas de Munique, em 1972. O policial parecia não crer no que via, naquele pequeno posto de fronteira: três brasileiros jovens, cabeludos e barbados, num carro belga, naquele canto meio isolado do mundo, incapazes de pronunciar uma frase que fosse em alemão... saiam do carro, mãos pra cima (o que minhas muletas faziam impossível, e foram compreendidas...), dirijam-se àquela cabine. A mímica, com uma arma na mão, era amplamente compreendida.

Daquele aquário onde fomos colocados, todos os nossos objetos pessoais espalhados numa mesa, vimos o meu carrinho ser revistado nos mínimos detalhes. E, ostensivamente, deixavam bagagens e utensílios espalhados no gramado ao lado. Esperamos bem umas quatro horas, sem direito nem a água, até que aparecesse um oficial do exército que falava um francês bem truncado, mas que, na situação, soava como música. Caprichado interrogatório, a simploriedade das respostas parecia absurda. Porque tão pouco dinheiro vivo? Fazer o que em Berlim? A programação de cada dia da visita, o que nos levava a altos exercícios de imaginação criativa. E, o mais complicado, porque aquele porta-malas com barraca, fogareiro a álcool, e tantos pacotes de sopa e macarrão, instrumentos de cozinha, e tão poucas peças de roupas para troca?

A liberação ainda demoraria bom tempo, e só veio depois de manifestarmos desejo de falar com o Consulado etc, e nos foi dado prazo de dez ou quinze dias, não me lembro, para fazer toda a viagem, e abandonar a Alemanha. Avisaram, também, que estaríamos sendo observados. E, como se parecesse pouco, veio a humilhação final de arranjar de novo aquela tralha no carro sob os olhares, e as imprecações, dos motoristas alemães interioranos que circulavam por ali.

O bom de um tal aperto é que depois tudo parece mais fácil e bonito. Atravessamos as auto-estradas da bela Alemanha ocidental (trechos que eu conhecera em viagens anteriores), até nos depararmos com a fronteira interna que nos introduziria ao misterioso e mítico mundo comunista. Fomos, de modo seco mas cordial, abordados por um casal de policiais que pareciam saídos de um daqueles filmes de espionagem passados na antiga União Soviética. Longos casacos escuros e aqueles bonés peludos, cujos protetores de orelhas ficam amarrados dobre a cabeça. O bom-humor e as piadinhas já haviam retomado seus postos entre nós. Em menos de meia hora já rodávamos na auto-estrada que levava a Berlim.

De mais estranho só a carência de traços daquele velho capitalismo que forjara nossas percepções, expectativas, e nossos gostos. Estradas e postos de serviços sóbrios, sem maiores apelo ao consumismo e a seus encantos. De constante só os carros da onipresente Polizei: era a gente parar, ou sair da rota para matar alguma curiosidade, e eles davam as caras, sem nenhuma preocupação em dissimular a companhia.

Chegamos a Berlim quando a iluminação feérica da cidade já impunha um contraste chocante com o mundo do qual emergíamos. Ao volante de meu carro modesto, mergulhei excitado e tenso por entre avenidas e placas que só agravavam minha desorientação. Era a mais agitada dentre as cidades da Europa que eu já pudera conhecer, impondo ares abusadamente cosmopolitas aos viajantes que chegavam de todo o mundo, a quase totalidade por via aérea, uns tantos por ferrovias, e, como demonstravam as estradas vazias de carros de passeio não orientais, bem poucos através das super controladas rodovias.

Não demorou para que o espetáculo de tantas luzes mostrasse seus sentidos perenes e agressivos. Era a face mais ardilosa da guerra cotidiana entre dois mundos ali representados, naquela Berlim que não abrira mão de ser vista como um dos centros do mundo. Nos dirigimos ao muro com ansiedade quase infantil, e partilhamos o sentimento de opressão expressado pelo paredão com ares de obra semi-acabada, irregular, escuro, com aspecto de ruína em alguns trechos. Acho que nem conseguimos dormir. Pela manhã iríamos à procura da minha amiga, em verdade uma mera conhecida, para os padrões afetivos europeus.

Ela vivera um tempo no Brasil, falava um bom português, e eu a conhecera na Bélgica, numa daquelas histórias de amiga da amiga que, por agrado e empatia, se cola no nosso querer poucos momentos após. Foi com ela, e com seus casos, que percorremos as curiosas e trágicas histórias daquela violência bem mais que simbólica, e que estava, então, bem na metade de sua imprevisível existência. Explico-me: o muro fora construído há 14 anos, e -quem ousaria prever?- outros 14 anos se passariam até sua queda. Lá, contemplando-o a poucos palmos do nariz, ele parecia eterno e irremovível. A frágil paz mundial da época, obra da Guerra Fria, latejava entre aqueles montes de concreto, salpicados de sangue e graves lembranças. Mesmo para quem, como eu, vinha de um Brasil submetido à violência das armas ditatoriais, incomodado por amigos e sonhos mortos, o muro só espelhava insensatez e barbárie.

Como alguém que se queria, e se quer ainda, de esquerda, tentei racionalizar e compreender o sentido político daquela monstruosidade. Tarefa impossível. Dali tirei lições que nunca mais me abandonaram, e, quando em 1989 acompanhei pela TV a queda do muro, não tive dificuldade em me sentir lá, de marreta na mão, ajudando a açoitar a estupidez humana.

Durante uns quatro ou cinco dias, intensos, atravessamos com a amiga boa parte da desafiadora e misteriosa Berlim. Clareava o dia, e lá íamos em busca de lugares e histórias daquela cidade quase habituada, se isso é possível, às graves crises e tensões. Dedicávamos especial atenção aos episódios provocados pelo muro na vida de praticamente todos os moradores. Nunca esqueci daquelas caras que, nos mirantes erguidos junto a alguns trechos do paredão, olhavam rumo ao nada, silenciosas, os olho vazios de esperança. Muitos abanavam insólitos lenços brancos, talvez na esperança de serem vistos e entendidos.

Minha amiga, sendo boa alemã, falava pouco de si, discretamente. De uma história sua me lembro bem: ela havia assistido aula pela manhã, naquele distante 1961, e combinara com sua melhor amiguinha um encontro à tardinha, para brincar e conversar. Na hora do almoço, soldados russos e alemães fecharam a avenida que ficava entre as casas das duas, Primeiro, a rede de arame farpado. Logo depois, a construção do muro. Elas nunca mais tinham conseguido se ver, ou se falar, e minha amiga, mesmo tanto tempo passado, narrava isso com incontida amargura. Hoje, quando nada mais sei sobre elas, torço para que os contatos tenham sido reatados, e que ainda consigam, sobre os cacos do muro, rir de tamanha insensatez, inclusive porque melhor bâlsamo não pode haver.

Quando escurecia, era chegada a hora do que havia de melhor na música mundial, sempre ao vivo, muitas vezes de graça, e de se imaginar os prazeres da festança gastronômica presente em cada esquina. E só imaginar, já que os dinheirinhos somados só davam conta, proibidos os imprevistos, das despesas com a volta para a casa.

Retomei a vida. Conclui os estudos. Voltei para o Brasil um ano e meio depois. Reassumi os deveres e os prazeres da vida de professor, contei muitas dessas histórias para meus alunos. Agora, aposentado, vendo as comemorações dos 20 anos da queda do muro de Berlim, fiquei aqui ruminando algumas de tais lembranças. Respinguei o assunto nos poucos toques do Twitter. A parceira de rede, Gizelle Zamboni, se interessou, até sugeriu uma crônica. Aceitei o desafio, cutuquei esses subterrâneos, espalhei, na tela, trechos dessas memórias desordenadas... e, por ter balançado minha inércia, dedico a ela essas linhas (que, se a máquina permitisse, seriam mal traçadas).

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Não é só na Venezuela

Novo o assunto não é, mas raramente rompe os sussurros meio amedrontados. O controle da midia mineira na gestão Aécio Neves. A docilidade opinativa, digamos assim, imposta por sutis recursos contemporâneos (ou quase), como o manejo publicitário e a "rotatividade" dos jornalistas.